Erva Venenosa
São todas sensações, ilegítimas ou não, compartilhadas ou não, muitas vezes nem minhas são.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Sobre 'a ponte' e a história de Maria, quando ela não mais quis ir com as outras.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Agora sei que terei sorte no amor.
Pois que a freira estava com os dedos todos envoltos em esparadrapo, ao que me confidenciou: fruto de uma suposta alergia nos ossos. - ‘Pois você consegue acreditar que o médico ainda queria operar-me os olhos com catarata?! Ainda mais com esta alergia. ’ – e eu que fiquei sem entender a relação entre uma coisa e outra, os ossos e os olhos. E ela que quase não me enxergava. Era a irmã Lorença - ‘poucas têm esse nome’, demonstrando- se - me única. E eu que há alguns minutos lia 'O Príncipe', de Maquiavel, dedicado a Lorenzzo. Fiz questão de lhe contar a coincidência!
Lorença dedicara toda a sua vida ao convento, desde os 19. Foram 67 anos, de modo que agora possuía 86, derrubando óculos e botões no chão – era a alergia que afetava os dedos. E falava tão baixinho que eu sempre precisava tirar a alma do corpo para poder ouvi-la. A minha vontade de ‘puxar conversa’ concretizara-se justamente quando ela derrubou a lente de um óculos antigo (suponho que fosse desastrada além do problema nos ossos)... Conversa vai, conversa vem, estávamos em uma rodoviária e eu me preparava para o feriado e a volta ao lar, cansado que estava da cidade grande e das mazelas do mundo. Ela, toda indignada, além dos disparates do médico, que queria operar-lhe, desacreditava de uma informação sobre os ônibus que certa atendente lhe dera: - ‘Pois você acredita que ela disse não haver vagas nos ônibus até o dia 18? Isso nunca aconteceu, esses ônibus foram sempre vazios, jamais se encheriam do nada!’. Estive incerto novamente sobre o tempo em que ela não utilizava daqueles ônibus. Viera do Espírito Santo (uma coincidência metafórica) e fora viver em Santa Catarina, ‘uma viagem que durou 11 dias’. Entendi como uma procissão.
Disse-lhe que eu procurava acreditar nas pessoas e não questioná-las muito, assim como não questionamos o Deus. Ela parou, pensativa: - ‘cada um do seu modo!’. Contou-me então de um fato que considerava estranho: sua vontade de nunca casar. Nunca quis casar aos 19, gostava dos rapazes, mas nunca quis casar, então quis ser freira. Houve um rapaz: ‘porque naquele tempo as coisas eram diferentes, ele ter falado com meu pai já era meio caminho andado’; ‘eu não poderia dizer não, se ele quisesse, que fosse lá em casa, mas eu não queria conversar, ficava mesmo era jogando baralho com meus irmãos mais velhos!’. Lorença partiu o coração do moço e foi embora de casa. Passaram-se 67 anos desde então.
A idade em que ela não quis casar e coincidentemente (novamente) a minha própria idade, onde procuro um amor. Confidenciei-lhe, inclusive minha desesperança, de nunca encontrar alguém; de querer ter filhos; ter casa; casar aos 30; amar e amar e amar. Ela achou bonito: ‘cada um do seu modo!’. Perguntou meu nome: ‘Vou rezar, eu sempre rezo, é minha obrigação!’. Logo em seguida disse que me esqueceria o nome: ‘mas só de olhar sua feição, sim, me lembrarei do seu rosto e o Pai, sim, o Pai saberá, e eu sei que dará tudo certo!’. Então agora eu sei que terei sorte no amor!
Vou rezar também por ela! Ainda que não por costume ou obrigação, vou rezar para que sua ‘alergia nos ossos' sare e para que ela encontre médicos ‘mais sensatos’ (veja só!); também para que seja muito feliz, e para que não se esqueça de pedir por mim e por meu amor, que não sei onde está. Mas eu sei que ela vai se lembrar de mim: olhou fundo nos meus olhos, ainda que pouco enxergasse.
domingo, 24 de julho de 2011
Balada dos garotos afogados.
Ainda não se sabe muito bem e nem nunca se saberá; são esperanças eternas, cortadas na raiz, de maneira silenciosa...
Não há som, não há ar, nem há luz. Não existirá o amanhã, apenas a balada dos garotos afogados, flutuantes...
Deus os salve.
domingo, 19 de junho de 2011
Um velório.
Colocaram-na sentada em frente ao caixão da filha morta. Estava com meia-calça até os joelhos, uma bengala na mão direita e os olhos, por trás dos óculos, pousados sobre nada. Era uma velhinha conhecida na cidade, a filha então, conhecidíssima, pois que o cemitério-velho estava cheio. Os habitantes, em sua maioria, com as melhores roupas e sapatos. Era inverno.
Achava tudo lindo, as flores, o local, as pessoas... Flores são sempre bonitas, era agradável ver tantas reunidas. Não compreendia, já fazia algum tempo que a mente repousava na infância - chamava sempre pela mãe, que nunca comparecia... – Não notara a filha morta, nem se lembrava mais de sua existência; via as pessoas todas chorando, sim, mas a única compreensão é de que talvez não estivessem encontrando as próprias mães também, algo que lhe parecia comum nos últimos tempos.
Conversas paralelas sobre nada, comuns, recheavam o lugar, presença completa dos cidadãos ilustremente preocupados com o próprio umbigo, via-se pelos sapatos 'bordadíssimos', era inverno e um velório seria um lugar interessante para mostrá-los...
O enterro saía, certa marcha o acompanhava. Levantaram a velhinha e a levaram dali, era hora de ir embora. No chão, na saída, sobraram alguns grampos de cabelo, grampos comumente usados pelas senhorinhas, tantas outras que também haviam perdido as mães, mas que choravam por outros motivos – não lhes era permitido chamar pelas mães, seria loucura...
E a velhinha, que nem percebeu, continuou achando tudo muito bonito. Talvez algum dia se lembrasse da filha, talvez não, sua única preocupação agora era achar a mãe.
domingo, 8 de maio de 2011
Control yourself.
sábado, 16 de abril de 2011
Seria um anjo se pudesse.
sábado, 26 de março de 2011
Blessed be.
Foto: Louise-Bourgeois fotografada por Annie-Leibovitz.
A borboleta confundia-se nos cabelos brancos, branco puríssimo que era, como que dizendo ‘Deus te abençoe!’... E como ele tem abençoado, tem abençoado a velhinha por quase oitenta anos, permitindo que continue andando, mesmo com pernas quase inexistentes, magérrima que é.
Ia ela se curvando, na saída de um açougue, fechando-se como uma flor em botão, corcunda que era, ‘inflorescendo’, e foi então que a borboleta reconhecera-a, abençoando-lhe. Andando no processo contrário da flor ela caminha para uma eternidade desconhecida, ou talvez, inexistente. Mas nós sabemos o que lhe ocorreria: faria parte da terra, como outras flores. E talvez por isso se fechasse em botão.
A pureza do branco, da borboleta branca, do cabelo branco... Todo um preparo para o futuro certo, certamente. A benção divina ficaria então para o próximo florescimento - o onisciente.
Mas ela estava perdendo o perfume, ou melhor, guardando-o. O cheiro dos cemitérios, vou segredar-lhes, é o dos botões que ainda irão brotar, são perfumes guardados por séculos. Existem muitas borboletas por lá.