sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sobre 'a ponte' e a história de Maria, quando ela não mais quis ir com as outras.


E não é que sentisse-se melhor do que os outros, não! Isto jamais lhe ocorrera. A questão toda era a incapacidade de ser compreendido, inclusive pelo senso comum que enxergava de si mesmo, que jamais permitir-lhe-ia entender-se. Todos ali, tentando desesperadamente encaixar-se, como se em um quebra-cabeças as peças adjacentes devessem ser jogadas fora... Marchavam, como em tempos de guerra, onde a própria marcha seria uma guerra mortal, se preciso contra si mesmos, para que pudessem ser reconhecidos como soldados do having fun.

Fugi ao exército, perdoem-me! 'Oh, eu também pensava assim e veja bem, estava errado!'- disseram-me. Assim como? pergunto. Jamais expliquei, aliás, pré-conceberam-me, como sempre o fazem. E ainda acusam-me: "Sente-se melhor do que todos, é isto!"; "Veja bem, sei que estou errada e sei que isto me destrói, mas olhe, faço isso conscientemente!" - outrora também me disseram. Seria isto suicídio, então?! Não, são adultos, ah e, bem, estão em uma nice. Lógica estranha, já que para mim apenas reitera a ideia do suicídio.

E ainda que músicas ou leituras ou comédias ou dramas, não mais me bastem, bem, ainda assim eu não escolheria jogar-me de uma ponte, como todos estavam (estão) fazendo, eu saberia que a ponte continuaria. Por Deus, eu tento convencer-me dia após dia sobre a possibilidade de continuação da ponte, que todos dizem-me inexistente, sendo que nem mesmo eles a viram. Seria como desmentir os céus! E por que tentam me convencer sobre aquilo que nem eles mesmos tem alguma certeza? Deixem-me acreditar no que me fizer bem. ponto.

Finalmente, perguntando-me certa vez sobre os motivos da busca incessante por meu eu 'original', lembrei-me de uma história, lida na escola, em aulas de redação da professora Estela (estrela), quando ainda criança: 'Maria Vai com As Outras', de Sylvia Orthof; onde a personagem, a ovelha Maria, seguia o comportamento de todas aquelas do seu clã, reproduzindo ações detestáveis, as quais não lhe traziam orgulho ou qualquer bem. Ao fim, quando todas as ovelhas começam a pular de um penhasco e se machucam, Maria decide pela independência, sendo livre, ao que memoro a frase salvadora: ' Então Maria gritou: mé! e decidiu ir para onde caminhar seu pé.' . Sim Maria, eu decidi também, ainda naquele dia.

Irei para onde caminhar meu pé, peço lhes apenas o respeito. Grato.




segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Agora sei que terei sorte no amor.


Pois que a freira estava com os dedos todos envoltos em esparadrapo, ao que me confidenciou: fruto de uma suposta alergia nos ossos. - ‘Pois você consegue acreditar que o médico ainda queria operar-me os olhos com catarata?! Ainda mais com esta alergia. ’ – e eu que fiquei sem entender a relação entre uma coisa e outra, os ossos e os olhos. E ela que quase não me enxergava. Era a irmã Lorença - ‘poucas têm esse nome’, demonstrando- se - me única. E eu que há alguns minutos lia 'O Príncipe', de Maquiavel, dedicado a Lorenzzo. Fiz questão de lhe contar a coincidência!

Lorença dedicara toda a sua vida ao convento, desde os 19. Foram 67 anos, de modo que agora possuía 86, derrubando óculos e botões no chão – era a alergia que afetava os dedos. E falava tão baixinho que eu sempre precisava tirar a alma do corpo para poder ouvi-la. A minha vontade de ‘puxar conversa’ concretizara-se justamente quando ela derrubou a lente de um óculos antigo (suponho que fosse desastrada além do problema nos ossos)... Conversa vai, conversa vem, estávamos em uma rodoviária e eu me preparava para o feriado e a volta ao lar, cansado que estava da cidade grande e das mazelas do mundo. Ela, toda indignada, além dos disparates do médico, que queria operar-lhe, desacreditava de uma informação sobre os ônibus que certa atendente lhe dera: - ‘Pois você acredita que ela disse não haver vagas nos ônibus até o dia 18? Isso nunca aconteceu, esses ônibus foram sempre vazios, jamais se encheriam do nada!’. Estive incerto novamente sobre o tempo em que ela não utilizava daqueles ônibus. Viera do Espírito Santo (uma coincidência metafórica) e fora viver em Santa Catarina, ‘uma viagem que durou 11 dias’. Entendi como uma procissão.

Disse-lhe que eu procurava acreditar nas pessoas e não questioná-las muito, assim como não questionamos o Deus. Ela parou, pensativa: - ‘cada um do seu modo!’. Contou-me então de um fato que considerava estranho: sua vontade de nunca casar. Nunca quis casar aos 19, gostava dos rapazes, mas nunca quis casar, então quis ser freira. Houve um rapaz: ‘porque naquele tempo as coisas eram diferentes, ele ter falado com meu pai já era meio caminho andado’; ‘eu não poderia dizer não, se ele quisesse, que fosse lá em casa, mas eu não queria conversar, ficava mesmo era jogando baralho com meus irmãos mais velhos!’. Lorença partiu o coração do moço e foi embora de casa. Passaram-se 67 anos desde então.

A idade em que ela não quis casar e coincidentemente (novamente) a minha própria idade, onde procuro um amor. Confidenciei-lhe, inclusive minha desesperança, de nunca encontrar alguém; de querer ter filhos; ter casa; casar aos 30; amar e amar e amar. Ela achou bonito: ‘cada um do seu modo!’. Perguntou meu nome: ‘Vou rezar, eu sempre rezo, é minha obrigação!’. Logo em seguida disse que me esqueceria o nome: ‘mas só de olhar sua feição, sim, me lembrarei do seu rosto e o Pai, sim, o Pai saberá, e eu sei que dará tudo certo!’. Então agora eu sei que terei sorte no amor!

Vou rezar também por ela! Ainda que não por costume ou obrigação, vou rezar para que sua ‘alergia nos ossos' sare e para que ela encontre médicos ‘mais sensatos’ (veja só!); também para que seja muito feliz, e para que não se esqueça de pedir por mim e por meu amor, que não sei onde está. Mas eu sei que ela vai se lembrar de mim: olhou fundo nos meus olhos, ainda que pouco enxergasse.

domingo, 24 de julho de 2011

Balada dos garotos afogados.


Algumas vezes eles se afogam sim, e é incrível como jamais conseguem voltar. O beijo sufocante da morte os leva, as pálpebras cerradas, e a dor continua restante. Muita dor. Isto é injusto, deveria ser acordado, anteriormente ao trato, que quando não mais vivessem a dor deveria cessar, proporcionalmente aos batimentos. Seria o mesmo acordo da rosa em botão que leva consigo o perfume.

Mas estes garotos continuam flutuantes - o coração de suas mães transborda e seus pais perdem o prumo. A dor continuará; é nauseante, é nauseante. Afogaram-se, mágoa, dor. Como os garotos sofreram, como! Tudo continua escuro, como um barco na ressaca, sem rumo em uma noite escura. Isto é errado. Os garotos deveriam descansar.

Ainda não se sabe muito bem e nem nunca se saberá; são esperanças eternas, cortadas na raiz, de maneira silenciosa...

Não há som, não há ar, nem há luz. Não existirá o amanhã, apenas a balada dos garotos afogados, flutuantes...

Deus os salve.

God save them.

domingo, 19 de junho de 2011

Um velório.


Colocaram-na sentada em frente ao caixão da filha morta. Estava com meia-calça até os joelhos, uma bengala na mão direita e os olhos, por trás dos óculos, pousados sobre nada. Era uma velhinha conhecida na cidade, a filha então, conhecidíssima, pois que o cemitério-velho estava cheio. Os habitantes, em sua maioria, com as melhores roupas e sapatos. Era inverno.

Achava tudo lindo, as flores, o local, as pessoas... Flores são sempre bonitas, era agradável ver tantas reunidas. Não compreendia, já fazia algum tempo que a mente repousava na infância - chamava sempre pela mãe, que nunca comparecia... – Não notara a filha morta, nem se lembrava mais de sua existência; via as pessoas todas chorando, sim, mas a única compreensão é de que talvez não estivessem encontrando as próprias mães também, algo que lhe parecia comum nos últimos tempos.

Conversas paralelas sobre nada, comuns, recheavam o lugar, presença completa dos cidadãos ilustremente preocupados com o próprio umbigo, via-se pelos sapatos 'bordadíssimos', era inverno e um velório seria um lugar interessante para mostrá-los...

O enterro saía, certa marcha o acompanhava. Levantaram a velhinha e a levaram dali, era hora de ir embora. No chão, na saída, sobraram alguns grampos de cabelo, grampos comumente usados pelas senhorinhas, tantas outras que também haviam perdido as mães, mas que choravam por outros motivos – não lhes era permitido chamar pelas mães, seria loucura...

E a velhinha, que nem percebeu, continuou achando tudo muito bonito. Talvez algum dia se lembrasse da filha, talvez não, sua única preocupação agora era achar a mãe.

domingo, 8 de maio de 2011

Control yourself.


'Take only what you need from them'.

Que a gente quer ser sempre o melhor da gente, o melhor do que nossas mãos poderiam um dia fazer. Nos alongarmos mais do que os braços e pontas das unhas permitem-se: crescer, crescerrrrr! Então você se alonga e estrala todo - advertências corporais. O mesmo da personalidade, do coração que adoece e entristece, do cérebro que 'incha' e nem sabe mais para que direção comandar o corpo. Enchemo-nos de teorias e arbitrariedades para poder afirmar positivamente 'Tenho noção do próximo passo a ser dado', mas esticar a perna, AH, você nunca estica.

Sempre critiquei os que nunca pensavam sobre, e que apenas respiravam. Está certo que eles sempre machucam os outros, de modos parvos, mas olhe só: também machuco. E machuco-me, o que na meu egoísmo vital dói demais. Pois que fechei os olhos e me arremessei, estou na vida desde então, fazendo o máximo do que jamais poderia. Sendo-me, ainda que impossibilitado por mim mesmo o tempo todo. AH, a ficção. Pois que 'ficcionamo-nos' até o desconhecimento.

Ainda não devo fechar meu livro, terminarei-o no meu para sempre. Apenas quando ele chegar e quando eu não mais esperar por 'minha própria vinda'. Quando for possível tornar-me eu que não seja outro, mas o mim mesmo.

BRAINSTORM, so I'm so sorry.




sábado, 16 de abril de 2011

Seria um anjo se pudesse.


A sensação era a mesma da invasão da agulha enquanto tirava sangue, as enfermeiras perfuravam certeiras, a diferença é que era permissivo. Os outros não se importavam tanto antes de invadir-lhe, eram incisivos mesmo - não lhe permitiam que dissesse não. Era sempre sim, sim, sim, SIM. Quase que em obrigação era pressuposto que ele havia aceitado sua condição, condição desconhecida dele, mas que os outros sempre reconheciam.

Pois que sua inocência era mentira: 'ninguém pode ser deste modo!', pois que ele era ninguém, sempre fora, ainda que não lhe permitissem. Era tão belo como um não em uma sala positiva, ainda contrariando o poeta e a ordem, como sempre, na rebeldia que não era heróica, era vilã. Se ao menos fosse vilão por inteiro, ainda existiria certa cota de perdão, mas também não lhe era permitido - ' Imagine só?! Idiotinha, mal?! Pudera!'. Acabava sendo nada, como sempre.

Se quer saber, a culpa também era dele. Não se bastava, nunca. Ainda que obtivesse a maior sorte do mundo, do mundo, 'Oh, mas ainda existiria o azar!' - então era incompleto. Os que não se bastam se cavam, se corroem. 'Ao menos se fosse como os outros!' - sempre se dizia, sempre lhe diziam. Estes outros intermináveis. Lhe restava certa confiança no futuro, era bem verdade, confiança de que um dia iria acontecer, sim, acontecer. Não eram poucas as vezes em que vira isso, as pessoas 'acontecem' o tempo todo... Mas ainda era parte do 'não se bastar', e talvez se corroesse novamente caso acontecesse de um dia acontecer.

Tomara Deus, algum dia os 'meio-termo' sejam permitidos, os que não escolhem, os que não germinam, os que 'caem pela metade'. Seria um anjo se pudesse, o anjo era o mínimo, era a essência. Essência não se corrói, então seria completo, pleno. Seria um anjo se pudesse.


sábado, 26 de março de 2011

Blessed be.


Foto: Louise-Bourgeois fotografada por Annie-Leibovitz.

A borboleta confundia-se nos cabelos brancos, branco puríssimo que era, como que dizendo ‘Deus te abençoe!’... E como ele tem abençoado, tem abençoado a velhinha por quase oitenta anos, permitindo que continue andando, mesmo com pernas quase inexistentes, magérrima que é.

Ia ela se curvando, na saída de um açougue, fechando-se como uma flor em botão, corcunda que era, ‘inflorescendo’, e foi então que a borboleta reconhecera-a, abençoando-lhe. Andando no processo contrário da flor ela caminha para uma eternidade desconhecida, ou talvez, inexistente. Mas nós sabemos o que lhe ocorreria: faria parte da terra, como outras flores. E talvez por isso se fechasse em botão.

A pureza do branco, da borboleta branca, do cabelo branco... Todo um preparo para o futuro certo, certamente. A benção divina ficaria então para o próximo florescimento - o onisciente.

Mas ela estava perdendo o perfume, ou melhor, guardando-o. O cheiro dos cemitérios, vou segredar-lhes, é o dos botões que ainda irão brotar, são perfumes guardados por séculos. Existem muitas borboletas por lá.