sábado, 1 de janeiro de 2011

Mme. Okada



E mesmo as borboletas mais deslumbrantes perdem o viço. Mme. Okada era uma artista, de mãos pequenas que resultavam em vestidos maravilhosos, de uma perfeita compostura, ao menos do modo como minha mãe a conheceu.

Não sei explicar muito bem o que vi: era apenas uma senhora levemente curvada com os cabelos mal pintados. Realidades e visões muito distintas se cruzaram: a expectativa e espanto de minha mãe com o meu olhar ao imperceptível. Mme. Okada era uma artista que envelheceu.

Artistas envelhecidos são algo dolorido, a arte rouba-lhes a juventude e não lhes devolve, por mais que fabriquem beleza a aparência geral é de uma casa sempre vazia. Okada não me demonstrou nada, ao que os olhos de minha mãe brilharam: ela havia sido responsável pelo deslumbre da 'boa sociedade' da década de 60, Okada vestia a beleza.

Talvez ela não tenha sido uma lagarta, artistas costumam pular etapas, ao que me parece ela possuía nas mãos o mais fino corte, imprescindível, produzindo a arte com simples panos e sem maior grau de instrução. Foram outras épocas, o talento precisava ser dominado e então era reconhecido, não havia necessidade de agradar ao comercial, apenas acontecia-se. É uma pena não ter conseguido encontrar essa expectativa na velha sra. Okada.

Ao saber a história, que nem me fora contada [foram apenas palavras e sensações soltas], minha vontade era voltar correndo e chacoalha-la, fazê-la levantar vôo novamente, transparecer a artista dos outros tempos. Talvez ela estivesse apenas cansada, o cansaço ainda iria levá-la... Mme. Okada caminhava por uma rua cheia de lojas, com roupas de fábricas e confecções, ninguém a conhecia, nunca haviam ouvido falar. Ela fora vencida, o talento e a irreverência, a originalidade, haviam sido vencidos por araras cheias de peças iguais, sem trato, industriais. Os vestidos de anteontem foram corroídos também, junto com a velha senhora anônima.

Queria que Mme. Okada voasse, mesmo que com asas de tecido, que mostrasse o seu valor. Que ensinasse para aquela gente o que era talento e o corte fino, e arte dos tecidos, mas ela já estava muito cansada, continuou caminhando, levemente curvada, japonesa e anônima, como um sorriso no Japão.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo blog... Gostei bastante...

    Abraço

    Estou seguindo...

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  2. que interessante , imaginei essa cena final.

    nao que eu nao tenha imaginado o desenrolar da historia , mas esse final é fantastico entende ? Nos faz criar a cena inteira de modo que a gente pode imaginar como se fosse real

    :* adoro ler as coisas que voce escreve

    beijos imensos

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  3. texto muito delicado...
    mas não é uma espécie de nostalgia "platônica" achar que "não havia necessidade de agradar ao comercial"?

    Se bem que... contestar o raciocínio do personagem não é muito frutífero. Ótimo texto! Gostei especialmente do último parágrafo.

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  4. Muito bonito! Gostei bastante!
    Seguindo...

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